Confesso que os dois jornais diários da área de economia e negócios, liderados por equipas jovens e eficientes, são dos mais isentos e insuspeitos jornais nacionais. Leitura obrigatória, por isso.
Desejo, pois, aqui e agora partilhar convosco os editoriais do JN de 20 do corrente, da autoria de Sérgio Figueiredo, bem como o do DE do dia 21, da autoria de António Costa (não é o Ministro).
O primeiro tem como título "Nossos bébes que choram" e escolhi o seu título para título deste post. Peço ao Sérgio Figueiredo que me desculpe mas não encontrei melhor.
Diz ele que a razão do choro é o endividamento que vai hipotecar as gerações futuras. Diz ele do país o mesmo que eu ando a dizer de Abrantes há anos.
Mas, agora, voltemos ao país e ao seu brilhante, lúcido e esclarecedor artigo que, digo eu, deveria ser de leitura obrigatória.
"Exactamente, por detrás desse assunto tão impessoal e tão massador como a dívida pública escondem-se os nossos bebés, que choram por nascerem já endividados.
Choram, então, porque os seus pais gastam mais do que aquilo que irão conseguir pagar. Choram porque eles não fazem nada para corrigir essa caminhada para o abismo."
Choram, então, porque os seus pais gastam mais do que aquilo que irão conseguir pagar. Choram porque eles não fazem nada para corrigir essa caminhada para o abismo."
Uma linguagem chocante mas eficaz. Como um soco no estômago, Sérgio Figueiredo ataca o âmago do problema.
"E choram sem ter a consciência de que, provavelmente, não terão a capacidade de suportar os impostos que seriam necessários para pagar as contas que lhes estamos a endossar. Dito de outra forma, mandam às urtigas os direitos adquiridos.
Toda a gente ama os seus filhos. Naturalmente. Mas está longe de ter percebido que contra eles abriu uma guerra. Não declarada, porventura não percepcionada, certamente não desejada. Mas que abriu, abriu."
Toda a gente ama os seus filhos. Naturalmente. Mas está longe de ter percebido que contra eles abriu uma guerra. Não declarada, porventura não percepcionada, certamente não desejada. Mas que abriu, abriu."
E, em seguida, a frieza dos números e a contradição evidente entre o Ministro Teixeira dos Santos e o economista (antes de ser Ministro) Teixeira dos Santos.
"A dívida pública já quase toca os 65% do PIB. A dimensão é impressionante. Mais penoso é ver que a tendência se inverteu e, para piorar, é saber que o buraco é ainda mais profundo.
Esta dívida pública «oficial», como sabemos, tem um perímetro limitado. Não conta, por exemplo, com as responsabilidades do Estado nas empresas públicas de transporte. Que, pelos cálculos do dr. Catroga, anda próximo dos 7% do PIB.
Nela não se reflecte igualmente os compromissos já assumidos (como as Scut) e os milhões em contratos de leasing operacionais (o reequipamento da Defesa). Pode então acrescentar mais 8% de PIB.
Ou seja, as contas públicas medidas numa perspectiva geracional apresentam já um nível de endividamento efectivo que não andará muito longe dos 80% do PIB.
É preciso dizer – e aqui vem a terrível questão da tendência – que nem sempre foi assim. Portugal entrou no euro porque, durante um bom período, o rácio da dívida esteve a decrescer.
E também é importante lembrar que isto não resulta de qualquer catástrofe natural, não é uma maldição, muito menos algo que esteja fora do alcance da capacidade humana.
A Espanha, só para dar um exemplo, tinha há vinte anos uma dívida pública superior à nossa e agora vai a caminho dos 40%.
Os nossos bebés vão parar de chorar no dia em que a despesa corrente primária crescer tendencialmente zero. Sabemos que está tendencialmente a afastar-se do zero. Ainda assim há quem pense que o Estado vai libertar recursos para financiar aeroportos na Ota e comboios de alta velocidade...
Um conhecido economista, observador da crise orçamental, concordava, não faz muito tempo, que a medida relevante para aferir a insustentabilidade das políticas era a dívida e não o défice.
Desempenhava então funções diferentes das actuais. Chama-se Fernando Teixeira dos Santos, que ontem, no American Club, aconselhou quem da plateia o questionou sobre Ota e TGV: não perca o sono com isso, porque não tem impacto nos orçamentos dos próximos anos.
Os filhos do ministro das Finanças já não são bebés. Mas vão chorar quando souberem o que o seu pai anda a dizer."
Esta dívida pública «oficial», como sabemos, tem um perímetro limitado. Não conta, por exemplo, com as responsabilidades do Estado nas empresas públicas de transporte. Que, pelos cálculos do dr. Catroga, anda próximo dos 7% do PIB.
Nela não se reflecte igualmente os compromissos já assumidos (como as Scut) e os milhões em contratos de leasing operacionais (o reequipamento da Defesa). Pode então acrescentar mais 8% de PIB.
Ou seja, as contas públicas medidas numa perspectiva geracional apresentam já um nível de endividamento efectivo que não andará muito longe dos 80% do PIB.
É preciso dizer – e aqui vem a terrível questão da tendência – que nem sempre foi assim. Portugal entrou no euro porque, durante um bom período, o rácio da dívida esteve a decrescer.
E também é importante lembrar que isto não resulta de qualquer catástrofe natural, não é uma maldição, muito menos algo que esteja fora do alcance da capacidade humana.
A Espanha, só para dar um exemplo, tinha há vinte anos uma dívida pública superior à nossa e agora vai a caminho dos 40%.
Os nossos bebés vão parar de chorar no dia em que a despesa corrente primária crescer tendencialmente zero. Sabemos que está tendencialmente a afastar-se do zero. Ainda assim há quem pense que o Estado vai libertar recursos para financiar aeroportos na Ota e comboios de alta velocidade...
Um conhecido economista, observador da crise orçamental, concordava, não faz muito tempo, que a medida relevante para aferir a insustentabilidade das políticas era a dívida e não o défice.
Desempenhava então funções diferentes das actuais. Chama-se Fernando Teixeira dos Santos, que ontem, no American Club, aconselhou quem da plateia o questionou sobre Ota e TGV: não perca o sono com isso, porque não tem impacto nos orçamentos dos próximos anos.
Os filhos do ministro das Finanças já não são bebés. Mas vão chorar quando souberem o que o seu pai anda a dizer."
Obrigado, Sérgio Figueiredo, pelo esclarecido e lúcido texto. Muito obrigado. Vou dormir mais preocupado, é um facto, mas agradeço na mesma o facto de ter sido (novamente) desperto para a verdade. É que, quem ouve o Primeiro Ministro, chega a ter a noção de viver noutro país, onde não há problemas destes.
Agora, o António Costa. "Cair da real" é o título do seu editorial. Porquê este título. Por causa de também nos ajudar a despertar para a realidade, de nos acordar deste mundo do faz-de-conta em que José Sócrates e a sua máquina de propaganda nos tentam manter adormecidos, anestesiados e hipnotizados.
"Em três dias, três relatórios e os portugueses ‘caíram na real'". Terão mesmo caído? Talvez depois de lerem mais este artigo, que também deveria ser de leitura obrigatória.
"O Banco de Portugal, o FMI e a OCDE não disseram (quase) nada de novo, mas o que disseram e como o disseram foi suficiente para o fim do estado de graça do Governo que, a partir de agora, vai ter mesmo de passar do discurso à prática. A verdade é que entre 15 de Outubro de 2005, quando José Sócrates apresentou o Orçamento do Estado deste ano, e a passada terça-feira, quando o Banco de Portugal divulgou o seu relatório da Primavera, não surgiram dados novos: a economia já estava em crise, já se conheciam os aumentos de impostos, já se sabia que os efeitos dos cortes na despesa só teriam impacto a partir de 2007 e os portugueses até já tinham interiorizado o défice público ‘construído’ por Vítor Constâncio, os famosos 6,83% do PIB."
Então, o que há de novo, pergunta António Costa e perguntamos nós. A repsosta vem didática e simples, no seguimento do artigo.
"Em primeiro lugar, é necessário dizer que a avaliação da economia portuguesa por parte do FMI e da OCDE toca em pontos já conhecidos e que dificilmente registariam melhorias no espaço de um ano: a produtividade da economia portuguesa teima em não crescer, os custos unitários do trabalho teimam em crescer mais do que deviam e, assim, as exportações não estão (como já não estavam) a aproveitar a retoma da economia mundial. Depois, o investimento privado não arranca (como já não estava a arrancar). Também já se sabia, os portugueses continuam (como já continuavam) a pedir emprestado, aumentando o seu endividamento e a consumir a um ritmo mais elevado do que o andamento da própria economia, ou seja, forçando as importações e o défice externo. Tudo somado a um défice público elevado que não dava margem para o Governo ter um orçamento anti-cíclico, ou seja, para ajudar a contrabalançar a crise da economia portuguesa que estagnou em 2005 e só deverá crescer muito ligeiramente este ano.
Em segundo lugar, o relatório do Banco de Portugal. Aqui, surge um ‘pequeno’ dado novo: em primeiro lugar, Vítor Constâncio tinha caucionado a política económica e financeira do Governo, ao liderar a comissão que construiu uma previsão de défice para 2005, isto é, ao aceitar fazer política; em segundo lugar, ao apoiar publicamente as medidas orçamentais do Governo para 2006. Esta semana, deixou claro que o défice de 2005 piorou face a 2004, responsabilizando Sócrates e Teixeira dos Santos, e ‘esquecendo’ o seu próprio papel no apuramento dos tais 6,83%. Pior, revelou ter dúvidas sobre a capacidade do Governo de cortar na despesa pública em 2006 e cumprir o objectivo de défice. Portanto, a partir de agora, ‘paga para ver’ e o Governo perdeu um aliado político importante.
Finalmente, em terceiro lugar, nada disto inocenta o Governo de responsabilidades. O Governo é mesmo o principal responsável pelo fim do estado de graça por causa da forma como geriu as expectativas. José Sócrates vendeu a imagem de um país que não tinha, uma economia dinâmica, insuflada por investimentos públicos como a OTA e o TGV, e por milhões de investimentos privados. E, sem querer, uma boa ideia - dar confiança aos agentes económicos - transformou-se numa péssima acção - criou outro país, artificial, que se desfez aos primeiros relatórios. Depois, o Governo não percebeu imediatamente o impacto político do relatório do Banco de Portugal, tardou a responder e quando o fez, fê-lo da pior maneira, deixando instalar-se a ideia de tudo continua na mesma em relação ao controlo da despesa, o que, é necessário reconhecer, não corresponde à verdade.
Teixeira dos Santos falou em pânico, pediu serenidade e disse que não vale a pena sofrer para já. E todos os portugueses que o ouviram, naquele momento, ‘caíram na real’".
(Os bolds azuis são da minha autoria.)
No meio de tudo isto, não há oposição que se faça ouvir com credibilidade transmitida e percepcionada pelos portugueses. Ou seja, os portugueses estão condenados a deixarem de acreditar neste governo mas não têm para onde ir, para uma liderança esclarecida, para uma visão alternativa, para um modelo e um caminho distinto, para uma palavra de autoridade e acolhimento social e político.
O problema já nem sequer reside na qualidade dos líderes partidários. Por aí, já sabemos que não vamos longe. Apesar da boa vontade que possam ter - e têm.
A razão da minha angústia é outra: por que razão fizémos o 1º de Dezembro, então?
A quem é que eu peço responsabilidades por tamanha insensatez?
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