segunda-feira, 28 de março de 2005

Mini-Férias

Na passada quinta-feira, resolvi "arejar", isto é, sair com a família, aproveitando os dias que esta época nos concedeu e dando a mim mesmo mais dois dias do princípio desta semana. Ao todo, quase uma semana de descanso, de pausa, de reencontro, de reequilíbrio depois de alguns tempos agitados (muito agitados).
Fui para um local tranquilo, para onde me desloco desde há quase 20 anos - um apartamento de família numa praia espanhola logo a seguir ao nosso Algarve.


Acabei de chegar e vim logo "blogar" um pouco. Verifiquei que o tom e o som é o mesmo de há uma semana atrás. Não vale a pena conceder espaço e tempo (registo) a quem o não merece. Pela minha parte, verifico mais um ataque submarino de cobardia, empreendido por quem ousa chamar-me cobarde mas nunca teve a coragem de ser um verdadeiro homem de escrutínio.
Que se há-de fazer? Deixá-los em paz, entretidos, pensando que alguém se importa com a sua vida.
Nesta época, "roubando" o António Colaço, ainda a propósito e apesar de tudo, votos de uma Boa PAZcoa.
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Voltando aos dias do meu repouso. Foi bom, muito bom, em família.
Visitar Sevilha na Semana Santa é mágico. Milhares e milhares de pessoas, um aparato enorme, cortejos místicos, gente de fé, devoção. E também o aspecto comercial. Uma cidade monumental, engalanada para esta época especial é sempre um bom motivo de negócio.
E de fruição, de espectáculo, para todos e com todos.


Todos os dias, o espaço dos cortejos é montado e desmontado. E os lugares para a assistência ali ficam, à espera dos seus clientes.

Um dia voltarei. Para já, uma vez mais, finda a visita a Sevilha, ficou - como sempre - a sensação de que não vi tudo o que podia e queria. Contingências de uma vida que envolve opções familiares e que não pode agradar apenas à minha vontade. Nem eu queria nem a minha mulher e os meus filhos permitiam que assim fosse.

Hasta la vista, Sevilla!


Aproveitei ainda o tempo para estudar e ler, além de descontrair, passear, brincar,...

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Deu-me especial prazer comprar o livro de José Gil - «Portugal, Hoje - O Medo de Existir». Foi um enorme esforço o que eu fiz para conseguir começar a ler este livro, não pelo livro em si mas porque tinha de parar, de quando em vez, para estudar para um exame de mestrado, no próximo fim-de-semana, para uma cadeira que não domino: Epidemiologia. Uma coisa esquisita que trata da história clínica das doenças. Enfim, alguma coisa ficou na memória e ainda tenho de aprofundar a matéria até lá.


Contudo, o livro de José Gil, confesso, é aliciante. Confesso ainda que não depositava grande expectativa no mesmo, porque quando vejo tanta badalação costumo suspeitar de golpe de marketing. E até pode ter havido, mas o livro vale o seu valor e a sua leitura. Estou a progredir.


Para já, não resisto a fazer uma ou duas citações que considero muito interessantes. É claro que não dispensa a leitura do livro e o autor não se deve zangar pelos excertos. Pode ser que ajudem a vender mais livros. Com o crédito devido, aqui vai:

"A norma impõe limites imperceptíveis (porque internos) ao pensamento e, certamente também, à acção. Tudo o que vimos, a barbárie, o excesso, a crueldade mais insuportável são compensados, reequilibrados pelo sorriso, e o golpe do panda: é o que nos dia o metadiscurso final (a frase) do apresentador. Ou seja, aquilo, o crime e o sangue, não é a vid ainda; só começa a pertencer à sua esfera com o surgimento do bebé panda.

Inocula-se assim, no seio das imagens, uma outra dose de nevoeiro: o que vistes não é o que vistes, mas o que agora estais a ver, que é o que vistes menos o que julgastes ver porque o bebé panda vo-lo retirou.

Mas não só as imagens perdem significado. Também o discurso é desfalcado das últimas implicações de sentido que encerram. Quando o discurso de Bush representava uma ameaça real de guerra contra o Iraque, nós não nos sentíamos implicados, porque «a vida é assim», as palavras e as intenções bélicas do presidente americano entravam no equilíbrio geral da vida, segundo a sabedoria do bom senso. Não haveria guerra no Iraque como não há propriamente ameaças, hoje, de um conflito futuro no Irão. Uma espécie de caricatura de harmonia preestabelecida regula assim, noite após noite do jornal televisivo, o curso da história, recolocando o fiel da balança no justo meio, que selecciona sem dúvida a parte melhor, a mais justa, aquela que é mais metade do que a simples metade.

Não se trata, a bem dizer, do «curso da história»: dado o cariz metafísico da norma, as imagens apresentam antes a essência do mundo e não o movimento da história, o qual se esbate num horizonte longínquo, de onde se manifesta apenas um pulsar ténue de signos-índices («sim, lá estão os atentados palestinianos... a expulsão dos fazendeiros brancos no Zimbabwe...»)."

Mais à frente, José Gil fala do "nevoeiro" e da típica "não inscrição" portuguesa. Com novo crédito para o autor, volto a citar:

"O que é o nevoeiro? Ele é a causa da não-inscrição ou esta existe por efeito daquele? É impossível responder a esta questão. Existiria antes uma dupla causalidade recíproca a partir de um «trauma» inicial, ele próprio resultado da convergência e da acumulação de muitos pequenos acontecimentos traumáticos que fugiram à inscrição (histórica, social e individual). Qualquer coisa como um Alcácer-Quibir que se recusa a aceitar e de onde nasceu o nevoeiro. Não o nevoeiro da lenda, que é futuro e lugar de epifania, mas uma neblina presente que se apodera do interior da consciência e a rói, sem que ela dê por isso. Um «branco psíquico», ou melhor, uma multiplicidade de brancos psíquicos atravessam a consciência, clara, de tal maneira que, sem que ela se aperceba, formam-se as maiores obscuridades e confusões. É o branco psíquico inconsciente esfarelando, fragmentando a consciência em mil bocados, cada um deles, no entanto, plenamente consciente no seu seu campo próprio.

Explicam-se assim, por exemplo, os inúmeros regimes de consciência clara que habitam a consciência de um português.

(...)

Não se pense, porém, que o nevoeiro implica uma mistura indefinida de ideias, ou um espírito obscurecido, enevoado qualquer confusão mental. Já vimos que não é assim; ao contrário, é porque existe não-inscrição que a consciência adquire uma nitidez particular."

Cada um tire a(s) leitura(s) que melhor lhe aprouver. Eu, não deixarei de tirar a(s) minha(s). Porque não aceito - não posso aceitar! - que exista apenas uma leitura para o que encontro. Faço o meu juízo. Sujeito ao erro. Mas forço-me a fazer a inscrição, a fugir à não-inscrição, a evitar o nevoeiro, mesmo que esse seja um plano invisível e não uma massa com volume.

Porque o «perto-longe» que fala Gil, mais do que representações do Mundo que existe mas quero acreditar ser longínquo e, por isso, não me dizer respeito, é uma sucessão de imagens fabricadas pela produção de uma qualquer estação de televisão que sintonizo. Crio o mundo adequado ao meu mundo; o mundo que me convém. Para não me incomodar.

«É a vida», frase que Gil repete até à exaustão, procurando fazer-nos despertar para essa vida que existe, não é nem longe nem perto, nem televisiva nem real.´

Onde está, afinal, o nosso sentimento de comunidade, como país, como continente, como planeta?

Resignação ou inconformismo? Acção ou inércia?

Já escolhi. Por isso, aqui estou para dar o meu contributo. E outros se seguirão.

Maldita não-inscrição. E socorro-me novamente de José Gil:

"Forma-se a ilusão de um tempo contínuo de inscrição, quando de contínuo e homogéneo apenas se extrai a não-inscrição entre dois investimentos descontínuos em duas pequenas coisas. E assim se vai, de uma tarefa a outra, de um empreendimento a outro, de um afecto a outro, de um pensamento a outro. Sempre saltitando, em trânsito permanente para parte nenhuma."

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