terça-feira, 17 de maio de 2005

Mentirosos e Demagogos

José Sócrates já é terráqueo; desceu da nave onde tem viajado desde que foi eleito e aterrou, finalmente, no nosso país.
Depois da idolatria de que foi alvo por parte de muita gente - mantive sempre reservas e silêncio discordante - afinal o homem recebeu ordens de Victor Constâncio de que já chega de férias e é preciso trabalhar.
Depois de 'mudar as peças' das estruturas do Estado, pelo menos no topo, é agora tempo de mudar as regras de admissão... com efeitos para o futuro porque, entretanto, retirou os homens e mulheres de confiança do antigo Governo; quando se poderia pensar que os novos ocupantes seriam insuspeitos, por concurso ou coisa parecida que todos o ouvimos defender, não, o primeiro-ministro está a preencher os lugares com homens da sua confiança e as novas regras ficarão para quem vier a governar depois de si.
Agora, o Governador do Banco de Portugal anuncia medidas duras e difíceis, isoladas ou mesmo todas ao mesmo tempo, designadamente:
- Portagens das SCUT (para já, só do litoral, porque ele e Guterres são da beita interior e não podem defraudar os seus);
- IVA de 19% para 21%;
- Adiamento da idade da reforma;
- Cortes nos subsídios de desemprego.
Parece que o segredo para se governar bem em Portugal é um governo de direita assumir posições e políticas de esquerda e um governo de esquerda assumir posições e políticas de direita. Tem sido assim nos últimos 10 anos, de um modo muito generalista e até ligeiro.
Porém, desta vez, isso não vai ser possível, ao contrário do que José Sócrates poderia gostar. Ele vai ter de governar com medidas impopulares, severas, com cortes na qualidade de vida das pessoas, olhando para o relançamento da economia e, ao mesmo tempo, para o controlo do défice.
Ao mesmo tempo, vai ter de ocupar-se com o combate à corrupção, hoje o maior flagelo que ameaça o resto de imagem ou de credibilidade que ainda possa existir nos portugueses sobre a classe política em geral.
José Sócrates vai ter de dar o dito por não dito, sobre muita coisa dita em muito lado, perante muita gente. É por isso que a mentira e a demagogia, usadas em paralelo, são normalmente eficazes para a eleição seguinte mas ajudam a descredibilizar os políticos que raramente conseguem cumprir o que prometeram, porque é preciso prometer mais do que é possível dar para se poderem vencer eleições.
Culpa dos políticos? Talvez não - estes dizem o que o povo quer ouvir.
Culpa das pessoas? Talvez não - estas esperam que os políticos lhes satisfaçam as necessidades e desejam ouvir aquilo que precisam de ouvir.
A culpa é de todos e não é de ninguém - é claro que é do 'sistema'.
No 'Jornal de Negócios' de hoje, Fernando Sobral escrevia o seguinte: "Portugal está a começar a parecer-se com um velho leão que deixou de ter energia para rugir. O Estado não tem força nas pernas e a sociedade civil ainda parece continuar a viver na adolescência".
Pois, pode ser assim. Mas o leão pode ser velho e já não ter forças para caçar, mas nunca perde a manha e quanto mais velho mais manhoso.
Porém, não devemos ignorar a frase quase profética de Fernando Sobral: "Estamos a ficar com a sensação que este rectângulo, fruto de um sonho de Afonso Henriques, se tornou um magnífico falhanço".

E continua para reiterar a criticar a forma como o Estado engordou e sublinhar que este precisa de aligeirar a sua estrutura: "Os portugueses têm a noção de que a porta do Estado é a de um «saloon» de «far-west»: todos entram e ninguém quer sair de lá. A não ser deitado".
É também por este diapasão que alinha Sérgio Figueiredo, director do 'Jornal de Negócios': "O maior défice do Estado não é de natureza orçamental. É de credibilidade. É de respeitabilidade. As instituições deixaram de se dar ao respeito. E as pessoas deixaram de acreditar em quem as dirige".
E até Teodora Cardoso já sente que este Governo não pode continuar a adiar as medidas de que Portugal precisa: "Uma sensação de déjà vu começa a abater-se sobre o governo em matéria de política económica".
Começa a ser difícil disfarçar a existência de um Governo. As pessoas querem, reclamam, impõem medidas. Apesar de já ter ficado claro que o primeiro-ministro não quer ser impopular antes do período pós-eleições autárquicas. Está a ser excessivamente taticista e a esquecer-se de que Portugal está primeiro do que o seu partido.
Haja alguém que lhe berre isso ao ouvido, por favor.

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