quinta-feira, 17 de maio de 2007

Novelos & Novelas – acto 5

Nos dias que correm é cada vez mais difícil balizar os partidos políticos de acordo com ideologias e doutrinas de pensamento político.
Em Abrantes, pouco ou nada encontro que me permita dizer que as políticas do partido que nos governa sejam socialistas. Ao cabo de 14 anos de governação sucessiva, vão surgindo sinais cada vez mais agudos de ‘quero, posso e mando’, de organização dos serviços à medida dos objectivos definidos pela maioria e de pouco respeito pelos demais partidos que compõem o sistema democrático.
Agora chegou a vez e a voz nas intervenções produzidas por alguns responsáveis socialistas no concelho em actos públicos dos órgãos do Município.
Há muito que, no blog que mantenho, surgiam comentários acusando-me de ser adepto da política do ‘bota abaixo’, que eu não sou abrantino coisíssima nenhuma e até perguntando-me porque não me ia embora de Abrantes. Sempre foram comentários anónimos, sem rosto, escondidos sob a capa de um cobarde anonimato.
Porém, na última sessão da Assembleia Municipal um responsável eleito pelo PS, com grandes responsabilidades no passado assumidas na gestão dos destinos do concelho, disse algo que merece ser trazido ao conhecimento público.
Numa das suas habituais intervenções de elogio à actividade da câmara para a qual trabalha em regime de prestação de serviços, António Mor ter-se-á excedido na linguagem, provavelmente entusiasmado com a necessidade de prosseguir com a sua habitual tendência para louvar Nelson de Carvalho e seus pares. A dada altura, ‘notificou’ todos aqueles que não apoiam as políticas prosseguidas pelo PS no concelho a irem-se embora e deixarem em Abrantes aqueles que são apoiantes socialistas. A coisa dita passou mais ou menos despercebida, mas foi dita e terá ficado registada (espero), assumindo contornos de chauvinismo e sectarismo graves que não podem passar em claro. Ainda por cima, António Mor falava na sessão imediatamente após a do 25 de Abril, ainda no mesmo mês, a habitual Abril que elogiamos porque nos devolveu, em 1974, a possibilidade de discordarmos livremente uns dos outros sem que nada de mal nos aconteça.
Houve gente que se esforçou para que as importantes conquistas de Abril fossem uma realidade e fico chocado quando é um militante e dirigente de um partido que se diz socialista quem vem defender que, afinal, os que discordam de quem manda não deve viver na mesma comunidade e que o melhor que tem a fazer é recomeçar a sua vida noutro concelho ou mesmo noutro país.
Como se Abrantes não precisasse de todos…
Por descargo de consciência vou ao sítio do PS na Internet e procuro as bases programáticas para poder rebuscar definições doutrinárias que me procurem dar razão. Fico à espera de encontrar algo nas ‘bases programáticas’ do PS que me diga que, afinal, na nossa sociedade e na nossa comunidade, todos temos espaço, apesar das diferenças de partido, de confissão religiosa (ou ausência de qualquer credo), de afinidades clubísticas, de raça, de orientação sexual ou outras.
E volto a ficar chocado: em lugar das indicadas bases programáticas, quando ‘clico’ no botão respectivo, surge-me um documento que se chama “Compromisso de Governo para Portugal 2005-2009”.
As bases programáticas foram substituídas por um programa de governação. O programa doutrinário é, afinal, apenas instrumental.
Com jeitinho, a meio este documento, na área de “novas políticas sociais” ainda me surge um horizonte de esperança, num capítulo chamado “política de não discriminação”. Mas logo fico, novamente, defraudado. Para resumir tudo isto, o PS diz apenas que “assume integralmente as disposições constitucionais e as orientações da União Europeia em matéria de não discriminação com base na orientação sexual”.
Sobre a liberdade de opinião, nada. Sobre o direito a discordarmos uns dos outros, o partido da “tolerância” nada diz; sobre o direito a podermos viver livremente nas nossas terras, mesmo discordando, não sendo acusados nem perseguidos por isso, nem uma palavra.
Agora sim, percebo porque razão António Mor disse o que disse. Porque, provavelmente, para o PS, há muito que isso terá deixado de ser relevante.
Só assim se justifica que, com enorme leviandade, o autarca tenha ‘convidado’ aqueles que não se revêem nas políticas de governação do PS em Abrantes a saírem do concelho.
E volto a encontrar uma frase interessante, na área de “qualidade da democracia, cidadania, justiça e segurança”, no capítulo “modernizar o sistema político, qualificar a democracia”. Diz assim: “o aperfeiçoamento da democracia não se reduz a reformas das instituições, mas implica um processo exigente de melhoria dos instrumentos de expressão e participação democráticas”. E acrescenta que o PS defende uma alteração no “sistema de Governo das autarquias locais, de modo a assegurar a formação de executivos municipais homogéneos, mais coerentes e eficazes, e, simultaneamente, uma democracia local mais efectiva, com reforço dos poderes de fiscalização da Assembleia Municipal”.
É isso. Fez-se luz. António Mor não concordará, porventura, que haja vereadores da oposição na Câmara Municipal. E talvez o recado tenha sido para os dois vereadores eleitos pelo PSD, entre os quais me incluo.
Bem pode continuar a defender as suas ideias, ainda que, na minha opinião, infelizes ideias. Era só o que faltava eu fazer-lhe o jeito de sair do concelho de Abrantes apenas porque não apoio e não defendo os projectos, as políticas e as apostas feitas pelo PS.Hei-de continuar aqui e a defender aquilo em que acredito. Podem crer!

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