quinta-feira, 29 de março de 2007

Novelas & Novelos - Acto 2

Hoje deveria ter sido publicada a minha 2ª crónica semanal no PL. Abri o jornal e nada vi. Se calhar já fui dispensado. Pelo sim, pelo não, aqui fica o artigo que deveria ter sido publicado, também, na edição impressa de "Primeira Linha".
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Logo na minha segunda crónica vou derivar para uma questão nacional.
Um blog, da autoria de António Balbino Coelho, chamado “Do Portugal Profundo”, tem vindo a insistir no tema das habilitações literárias do Engº José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
O jornal “Público” também já dedicou, na passada semana, quatro páginas ao assunto e outros periódicos mais sensacionalistas também.
A investigação tem dois anos e parece que há cada vez mais elementos que indiciam que o processo de licenciatura do actual Primeiro-Ministro (e não só!) pode ter tido contornos pouco nítidos. No mínimo, isso. Pelo menos, o site oficial do PM já mudou a indicação das habilitações literárias do mesmo.
Estou como diz o jornal “Público”: “o currículo académico de um político ou qualquer outra figura pública não é critério para o avaliar nem como pessoa, nem para saber se é ou não competente para exercer o cargo que ocupa. Grandes figuras políticas europeias - como Jacques Delors - não possuíam qualquer licenciatura”.
Coisa diferente é tentar saber se, caso tenha havido mesmo alguma trama ilegal, vão existir culpas e culpados. Há que investigar de modo sério todos os comportamentos e desejar que a justiça seja chamada a intervir, se for esse o caso.
Mais habilitação, menos habilitação, isso é pouco importante.
O que me preocupa e o que gostaria de saber é se a filiação partidária do cidadão José Sócrates o beneficiou no processo de obtenção do grau de licenciado.
Preocupa-me que a sua posição de proximidade ao Governo, em 1995, o possa, eventualmente, ter beneficiado neste processo.
É preciso saber também se as equivalências e a obtenção de aproveitamento nas cadeiras em falta, por parte do cidadão José Sócrates, teve algum custo financeiro, directo ou indirecto, para o Estado Português. E, já agora, se este existiu, qual o encargo financeiro que representou?
Preocupa-me o silêncio da oposição, sobretudo do PSD, em todo este caso. É, aliás, incrível este silêncio, além de comprometedor. Haverá “telhados de vidro” ou o que importa é fazer propostas que o país, neste momento, não pode comportar, como é exemplo a proposta de diminuição de impostos, apenas feita para tentar antecipar uma eventual decisão do Governo no mesmo sentido, em pleno ano de eleições?
Por fim, algo que me conduzirá a Abrantes (prometi que voltaria sempre a esta região depois de falar de um assunto nacional ou internacional): será que o cidadão José Sócrates se deixou vencer pela miríade do “parecer” sobre o “ser”?
Abrantes, tal como Portugal, vive mais centrada no “parecer” do que no “ser”.
O país “parece” que tem melhor saúde, mas isso é mentira. O país “parece” que tem menos desemprego mas ainda estão por explicar as “limpezas” de ficheiros empreendidas, para além do recente aumento da emigração e da alteração da metodologia de cálculo. O país “parece” que todos os dias anuncia novas empresas e milhares de postos de trabalho mas as empresas continuam a deslocalizar-se e a precaridade do emprego aumenta. O país “parece” que iria abrir concursos para dirigentes do Estado mas a verdade é que as nomeações continuam e deverão continuar. O país “parece” que tem gente com mais qualificações mas todos somos unânimes quando achamos que estamos ainda mais longe do padrão médio do profissional europeu, japonês ou americano.
O país rendeu-se à imagem de um Primeiro Ministro pretensamente europeu, urbano, evoluído, visionário, culto, humanista, tolerante e empreendedor e que todos, pretensamente, queremos seguir. Afinal, sempre há quem duvide da lisura de procedimentos do cidadão José Sócrates para se arrogar no direito de se auto-proclamar engenheiro civil. É preciso ir ao fundo do “ser” e explicar.
Em Abrantes, não está em causa a questão das habilitações literárias dos nossos governantes locais mas, igualmente, impera o “parecer”. “Parece” que vivemos num concelho moderno, próspero, de futuro mas somos cada vez menos, continua o êxodo demográfico, as taxas, tarifas e serviços que pagamos ao nosso Município são cada vez maiores e estamos a sofrer na pele a necessidade de pagar a manutenção, a limpeza, a segurança, a electricidade, salários e consumos correntes dos diversos equipamentos municipais construídos, muitos deles porque era importante “parecer” o que não “somos”.
“Parece” que temos um tecnopólo, parques industriais repletos de dinâmica, empresas a chegar a rodos, muita propaganda no boletim e no site da autarquia mas a verdade é que não vivemos melhor, os “filhos da terra” não arranjam emprego em Abrantes no final do seu percurso académico nem os alunos da ESTA, em geral, aqui se vão fixando e constituindo família, com poucas e honrosas excepções.
Parece que há mais oportunidades para todos mas o fosso entre a cidade e as aldeias acentua-se e gera novos fenómenos de exclusão.
Talvez aqui a questão, sobretudo, do percurso profissional dos nossos governantes possa ser relevante: nenhum dos cinco membros do executivo a tempo inteiro teve um percurso feito na vida (difícil) das empresas ou do sector privado puro. É diferente – muito diferente – sentir o que sente que ousa arriscar vestindo essa mesma pele do que imaginando-a por interposta pessoa ou relato contado. Quatro dos cinco membros do governo da cidade são professores, com percurso feito na posição de empregados do (sempre seguro) Estado – e nada tenho contra isso nem contra quem é empregado do patrão-Estado! O elemento que falta uma fez percurso numa associação, ainda assim criada entre várias autarquias, para as servir e delas dependente financeiramente.
Provavelmente, nenhum dos cinco sabe o que custa “dar o aval à subscritora”. Ainda bem!Talvez sobretudo por isso, a tentação para o “parecer” sobrepõe-se, em Abrantes, tal como no país, ao “ser”. Vivemos num mundo do “faz-de-conta” e isso é, em parte, resultado do estado de hipnotismo a que somos conduzidos por governos – local e nacional – que nos procuram mostrar o que “parece” e não aquilo que “é”. Não é?

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